Rússia aproveita cota sem taxa e eleva venda de trigo ao Brasil

Setor
23/07/2020

Mais de seis meses depois de o Brasil criar uma cota de 750 mil toneladas para importação de trigo de países de fora do Mercosul com isenção de tarifa de 10%, em novembro, a Rússia, que lidera as exportações mundiais do cereal, aproveitou a oportunidade com uma venda expressiva. Os russos enviaram para a M. Dias Branco 70 mil toneladas em julho — dois carregamentos de 35 mil toneladas —, em negócio fechado pela trading Sodrugestvo e confirmado pela companhia brasileira.

Segundo Andrey Sizov, analista de mercado da região do Mar Negro e diretor da consultoria russa SovEcon, trata-se de um volume importante, sobretudo tendo em vista que durante toda a safra 2019/20, que terminou em 31 de junho, os embarques de trigo da Rússia para o Brasil somaram 90 mil toneladas — boa parte negociada antes da isenção tarifária.

A Rússia passou a vender o cereal para países da América do Sul na temporada 2019/20, após uma revisão de procedimentos fitossanitários. E, nos últimos meses, o produto do país tem ganhado espaço no mercado internacional em geral porque está mais barato que o americano — fator que tem pressionado as cotações nas bolsas dos Estados Unidos.

“Para moinhos da região Nordeste é mais vantajoso trazer trigo do Hemisfério Norte [que da Argentina, principal fornecedor do Brasil], e os patamares de preços de 45 a 60 dias atrás davam vantagem para a Rússia. Agora, o cenário vem mudando”, diz o comprador de um moinho, que pediu para não ser identificado. O câmbio é vital nessa conta, e sua influência se dá não apenas no preço do cereal, mas também nos custos de logística.

A cota de importação fora do Mercosul foi anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro após visita aos EUA em março de 2019, e imaginava-se que seria acessada basicamente pelos americanos. Depois da cota inicial de 750 mil toneladas, em junho a Câmera de Comércio Exterior (Camex) ampliou o volume isento de tarifa em 450 mil toneladas a pedido dos moinhos brasileiros, que receavam falta de trigo argentino.

Mas, mesmo com essa benesse do governo, até agora volumes ínfimos tinham sido comprados ,porque os moinhos brasileiros estavam abastecidos e os embarques argentinos transcorriam normalmente. Agora, com a entressafra no país vizinho, o Hemisfério Norte ganhou força.

“Mais quatro ou cinco carregamentos do Hemisfério Norte chegarão ao Brasil entre julho e setembro”, afirmou o representante do moinho ouvido em “off” pelo Valor, citando compras de sua empresa e de concorrentes.

Compradora contumaz de trigo argentino, a M. Dias Branco, que importou o trigo russo em julho, também recorre aos EUA e ao Canadá quando é necessário. A fonte que pediu anonimato ponderou, contudo, que não “se compra trigo apenas pelo preço”. Segundo ele, “o mix de variedades também é um fator importante para garantir a qualidade das farinhas e derivados”.

Essa possibilidade de ampliação das importações fora do Mercosul traz preocupação aos argentinos, que sempre teve no Brasil um mercado quase cativo. Em sua edição desta quarta-feira, o jornal argentino “La Nacion” destacou a venda russa ao Brasil, citando a consultoria SovEcon, e recomendou aos exportadores “buscarem maior presença entre os compradores na África”. O jornal também alertou as companhias de seu país que a Austrália voltou ao mercado internacional, após duas campanhas sem embarques devido à severas secas, o que tende a acirrar mais a concorrência.

A Argentina costuma vender cerca de 7 milhões de toneladas ao Brasil por safra e mantém essa previsão para 2020/21, quando seu saldo exportável é calculado em 12 milhões de toneladas — a produção está estimada em 20 milhões.

Segundo dados oficiais, no mês passado o Brasil importou 434,1 mil toneladas de trigo — 79,6% do total veio da argentina, 13,8% dos EUA; 4% do Uruguai e 2,5% do Paraguai. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o país produzirá 6,3 milhões de toneladas em 2020/21, 22,7% mais que em 2019/20. A estatal estima que as importações somarão 7,3 milhões de toneladas, alta de 300 mil toneladas.

Fonte: Valor Econômico

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