Produção de sementes de trigo no RS cai pela metade

Setor
09/04/2024

O excesso de chuvas causado pelo El Niño na última safra levou a uma quebra na produção de sementes de trigo de 50% no Rio Grande do Sul e de 20% no Paraná, Estados que concentram a maior produção de trigo do país. A estimativa é das associações de produtores de sementes.

Segundo a Embrapa Trigo, o ambiente quente e úmido do inverno e da primavera de 2023 afetou tanto a qualidade fisiológica das sementes, como a qualidade sanitária. “As condições ambientais favoreceram as doenças na espiga e, ao mesmo tempo, dificultaram o seu controle, já que em muitos casos o excesso de chuvas impediu a entrada de máquinas nas lavouras para aplicação de fungicidas. Além disso, o excesso de chuvas na época de colheita acelerou a deterioração das sementes”, disse, em nota, Vladirene Vieira, analista do setor de produção de sementes da Embrapa Trigo.

Pedro Basso, sementeiro de trigo em Vacaria que tem uma das melhores produtividades do Estado, de 75 sacas por hectare, disse à Globo Rural que a produtividade caiu para 52 sacas, as sementes saíram com qualidade baixa e o descarte, que entrava na composição de preço do trigo, nem serve para os moinhos. Vai virar ração, e com ressalvas.

“Usualmente, quando a gente colhia o trigo, tinha uma quebra de 25% para deixar a semente com padrão de qualidade mais alta. Desta vez, já tivemos quebra de 40% na produtividade das lavouras de trigo e a queda no beneficiamento das sementes passou de 40%”, afirma Basso. “Ou seja, das 100 toneladas de trigo que você levava para a UBS (Unidade de Beneficiamento de Sementes), você tirava 80 toneladas de sementes. Agora, foram apenas 50 toneladas. E não têm a qualidade de uma Ferrari. É um Celtinha para a briga”, complementa o produtor.

Com produção anual média de 6.000 toneladas de sementes em 1.300 hectares de área plantada, Basso fez agora apenas 3.200 toneladas, a pior produção dos últimos anos. “Meu pai que está há 42 anos no negócio de sementes iniciado pelo meu avô disse que nunca viu uma primavera tão chuvosa quanto a do ano passado e a chuva na primavera é péssima para o trigo.”

No final do ano passado, Márcio Só e Silva, sócio-diretor e melhorista da Semevinea, empresa focada no desenvolvimento genético de sementes de trigo com sede em Ernestina (RS), disse à Globo Rural que em sua experiência de 40 anos como pesquisador da Embrapa e melhorista nunca tinha vivenciado um El Niño tão forte em volume de chuvas e em falta de luminosidade.

Na época, ele já estimou que as perdas médias do Estado poderiam chegar a 50%.

Para a próxima safra de trigo, Basso vai manter os 1.300 hectares e espera uma boa produção porque há possibilidade de El Nina, o que significa na sua região mais frio e menos chuva, “tudo que o trigo gosta”.

Na questão dos preços, o sementeiro diz que a expectativa não é tão boa porque deve haver muita oferta de trigo no mundo e o preço da semente está atrelado ao valor da saca do grão, mas, como o custo de produção com adubo e herbicidas caiu, vai ganhar dinheiro quem produzir bastante por hectare.

Sementes certificadas
Segundo a Associação dos Produtores e Comerciantes de Sementes e Mudas do Rio Grande do Sul (Apassul), para a safra 2024 estarão disponíveis 138 mil toneladas de sementes certificadas de trigo, volume suficiente para abastecer uma área de cultivo próxima a 1 milhão de hectares.

Na estimativa da Associação Paranaense dos Produtores de Sementes e Mudas (Apasem), vão deixar de entrar no mercado cerca de 30 mil toneladas de sementes de trigo por falta de qualidade e o volume será suficiente para o plantio de 1,1 milhão de hectares no Paraná.

A Apassul estima que a taxa de uso de semente certificada nesta safra será de 78%, a maior da sua história, indicando que o uso de semente “salva” (aquela guardada pelo produtor de trigo para uso exclusivo em sua lavoura) não será significativo pelo risco de investir em semente de baixa qualidade. O diretor-executivo da associação, Jean Cirino, diz que, no ano passado, a taxa de uso de sementes certificadas foi de 58% no Rio Grande do Sul.

“A supersafra de 2022, tanto em produtividade quanto em qualidade, foi um estímulo ao agricultor para guardar semente para 2023. Na contramão, no ano de 2023 tivemos uma das piores safras de trigo. Considerando que o agricultor não possui equipamentos específicos para a produção de sementes, teremos redução significativa de grãos salvos”, diz Cirino.

Para o diretor executivo da Apasem, Jhony Moller, a redução na oferta de sementes vai acompanhar a menor intenção de cultivo do trigo por parte do produtor paranaense. “A redução na cotação do trigo e as incertezas com o clima para o próximo inverno deixaram o produtor mais cauteloso com a safra de inverno.”

Preço
Para estimar os impactos de um possível aumento no preço das sementes nesta safra, em função da oferta menor do que a demanda, a equipe de transferência de tecnologias da Embrapa Trigo consultou algumas cooperativas gaúchas e avaliou que, dentro das planilhas de custos de produção, o preço do saco de sementes de trigo de 40 quilos está variando de R$ 130 a R$ 150, pouco acima dos R$ 120 praticados na safra passada, quando houve muita oferta.

Basso, o sementeiro de Vacaria, diz que o preço da semente está mais alto mesmo, mas ressalta que o custo para a produção também foi mais alto, ou seja, como a produção foi menor, sobra menos dinheiro para o produtor.

Em sua última estimativa de safra, em março, deste ano, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estimou a área plantada de trigo no país neste ano em 3.264,7 mil hectares, uma queda de 6% em relação à safra anterior.

Forrageiras
O mercado enfrenta também a falta de sementes para a implantação de pastagens. A estimativa da Associação Sul-Brasileira para o Fomento de Pesquisa em Forrageiras Sulpasto é que a oferta de sementes de aveia preta seja reduzida em 40% e no azevém a oferta seja até 80% menor em relação ao ano passado.

“A maioria dos produtores de sementes forrageiras também são produtores de grãos, então com a janela curta para fazer o manejo nos cereais de inverno, o produtor teve que optar pelo maior potencial de retorno e escolheu ‘salvar’ os grãos”, diz, em nota da Embrapa Trigo, o presidente da Sulpasto, Cláudio Lopes.

Os gaúchos até tentaram recorrer às importações, comprando sementes forrageiras do Uruguai e da Argentina, mas também nos países vizinhos houve frustração de safra, implicando em escassez de sementes, além de problemas internos no Brasil, como a greve dos fiscais agropecuários, que está atrasando a liberação dos lotes.

Lopes acredita que apenas 30% do volume importado vai chegar a tempo para implantação das forrageiras na época indicada.

Os preços das forrageiras também seguem em alta. Enquanto na safra passada a aveia preta custava R$ 0,88 o quilo, hoje o valor chega a R$ 4,00. Como alternativa, o presidente da Sulpasto recomenda ao produtor investir em aveia branca e outros cereais de inverno que podem ser utilizados como forragem.

Também no Paraná, a falta de sementes forrageiras deverá afetar os rebanhos, aumentando os custos de produção especialmente na região Sudoeste, onde está a principal bacia leiteira do Estado, e na atividade pecuária dos Campos Gerais.

“O déficit nas sementes forrageiras vai afetar a produção de feno e silagem para a alimentação animal, bem como a cobertura de solo em muitas propriedades que costumam utilizar aveia preta. Alternativas existem para não deixar o solo descoberto, como a braquiária e o nabo, mas o custo acaba sendo maior”, explica Moller, da Apasem.

Devido ao clima adverso, a Embrapa Trigo alerta os produtores que as sementes de forrageiras podem estar infectadas com microrganismos que causam doenças nos cereais de inverno. A recomendação é fazer o tratamento das sementes com fungicidas para evitar prejuízos.

“O tratamento de sementes vai viabilizar a qualidade sanitária da lavoura no início do ciclo da cultura, evitando o surgimento de focos iniciais de doenças e sua distribuição pela lavoura” avalia o pesquisador João Leodato Nunes Maciel.

Segundo ele, o tratamento de sementes também deverá significar redução nas aplicações aéreas de fungicidas nas plantas em fases mais adiantadas de desenvolvimento, impactando nos custos da lavoura. Na comparação, o custo de tratamento de sementes com fungicidas representa 30% menos do que o custo de uma aplicação aérea.

Fonte: Globo Rural

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