Congresso do Trigo: geopolítica e economia global desafiam o Brasil em cenário de mudanças

Abitrigo
20/10/2025

A noite de abertura do 32º Congresso Internacional da Indústria do Trigo foi marcada por reflexão sobre os rumos da economia e da geopolítica, tanto no cenário global quanto no contexto brasileiro. A palestra inaugural, conduzida pelo presidente-executivo da Abitrigo, Rubens Barbosa, reuniu o cientista político e jornalista Gustavo Segré e a economista e sócia da Gibraltar Consulting, Zeina Latif.

Com um olhar voltado para os desdobramentos políticos internacionais, Gustavo Segré chamou atenção para os movimentos do governo de Donald Trump e suas prioridades estratégicas. Segundo ele, politicamente, Trump vai priorizar o combate ao comunismo e ao socialismo na América Latina, oferecendo apoio econômico ao presidente Javier Milei na Argentina, pressionando o governo de Gustavo Petro na Colômbia, buscando a queda do regime de Nicolás Maduro na Venezuela e exigindo do Brasil a normalidade no funcionamento do poder judiciário.

No campo econômico, Segré apontou para um confronto mais estratégico. “Trump deve buscar retardar a expansão econômica da China, e a atenção deve se voltar para a reunião entre John Bessent e o vice-primeiro-ministro chinês He Lifeng”, destacou, indicando que a política externa dos Estados Unidos poderá afetar diretamente as relações comerciais da América Latina.

Ainda sobre as movimentações políticas na região, Segré analisou os desafios de Milei na Argentina, o agravamento da crise econômica na Bolívia, que enfrenta uma inflação de 23% e escassez de dólares, e o processo de mudança na representatividade política do Chile. Ele também chamou atenção para a natureza peculiar das tratativas entre Brasil e Estados Unidos. “Essa a única negociação comercial em curso sem a participação dos encarregados de assuntos comerciais, Greer e Bessent. Saberemos se há evolução se a reunião entre Lula e Trump realmente se concretizar”, explicou.

Sobre o cenário político brasileiro, Segré foi direto ao abordar as articulações eleitorais em curso. “As negociações para as eleições de 2026 já começaram. Ele citou possíveis nomes que surgem como alternativas ao atual presidente e ao ex-presidente Jair Bolsonaro, como Tarcísio de Freitas, Ratinho Júnior, Eduardo Leite, Romeu Zema e Ronaldo Caiado, apontando para um jogo político em plena formação.

A economista Zeina Latif, por sua vez, trouxe à discussão uma análise técnica e cautelosa sobre os desafios e oportunidades econômicas, destacando a resiliência do mercado global diante de incertezas políticas e econômicas. “Há atenuantes à política de Trump, mas a gestão de riscos é essencial. Se há mais riscos, você diversifica. E é exatamente isso que os países e empresas estão buscando: diversificação de parceiros e estratégias”, explicou.

Zeina também comentou o comportamento do mercado cambial. “A taxa de câmbio reflete incertezas tanto internas quanto externas. A redução do risco fiscal só virá com reformas estruturais que diminuam a rigidez orçamentária”, alertou, indicando que o equilíbrio macroeconômico exige mais do que medidas pontuais.

Apesar do cenário de desaceleração econômica, a economista vê espaço para otimismo moderado. “Vivemos uma desaceleração em curso, mas com recuperação do potencial de crescimento. O avanço é mais disseminado entre os setores produtivos, e a economia brasileira tem mostrado resiliência frente à taxa de juros”, observou.

No que diz respeito à inflação, Zeina foi clara: “O pior já passou. A inflação está acima da meta de 3%, o que exige um cuidado do Banco Central, mas não está fora de controle”. Ela também abordou a questão da produtividade do trabalho, destacando que “a produtividade brasileira tem sinal mais positivo. No entanto, ainda estamos distantes do patamar norte-americano – entre 20% e 25% – mas há uma evolução visível”, reforçou.

Outro ponto levantado por Zeina foi o impacto demográfico nas perspectivas econômicas de médio e longo prazo. “A população brasileira começa a encolher a partir de 2042, mas com grande diferença entre os estados. Santa Catarina só começará a reduzir sua população em 2064, enquanto o Rio Grande do Sul inicia esse processo já em 2027”, detalhou.

Por fim, ela ainda ressaltou a importância da educação e do consumo. “Temos uma agenda educacional atrasada, e uma demanda reprimida no mercado consumidor. A renda mediana per capita no Brasil é de cerca de R$ 1.000, o que evidencia o quanto o país ainda precisa avançar para explorar todo seu potencial de consumo”, concluiu.

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