Dependente do trigo argentino, Brasil zera tarifa de importação de outros países e gera protestos

Abitrigo
08/07/2020

Uma decisão do Governo de Jair Bolsonaro de aumentar a cota de importação de trigo com tarifa zero para países fora do Mercosul gerou protesto dos exportadores argentinos, principais fornecedores do cereal para o Brasil. O Centro de Exportadores de Cereais da Argentina (CEC) rechaçou a medida e afirmou que ela deteriora as condições de acesso ao mercado brasileiro.

A partir deste mês, o Governo brasileiro passou a autorizar um volume extra de importações de 450.000 toneladas de trigo de outros países de fora do bloco regional sem a Tarifa Externa Comum (TEC) de 10%. A cota adicional tem efeito temporário ― até novembro deste ano ― e será ativada apenas caso a utilização da cota atual ― de 750 mil toneladas ―atinja 85% do total.

A medida foi tomada pela Secretaria-Executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex), ligada ao Ministério da Economia, após a recomendação da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), que alegou dúvidas sobre a capacidade de fornecimento do grão pelo país vizinho até o fim do ano ao mercado brasileiro. “A informação dos importadores e das casas especialistas, que acompanham o mercado, é de que há uma incerteza, até hoje, se a Argentina vai suprir o que precisamos até o fim do ano. Os argentinos ampliaram muito o mercado, diversificaram para outros países, houve também um aumento do preço, aliado à desvalorização do real frente ao dólar”, afirma o embaixador Rubens Barbosa, presidente da Abitrigo.

Barbosa ressalta, ainda, que a grande dependência do Brasil na importação do cereal ― cerca de 60% do trigo utilizado no país vem de fora ― aumenta a preocupação da entidade. “O trigo aqui no Brasil é um elemento essencial, e essa dependência é uma vulnerabilidade grande que temos. Como a Argentina hoje é responsável por quase toda nossa importação, qualquer falha lá pode gerar um desabastecimento aqui, pode faltar o pãozinho”, diz.

O Brasil consome, em média, 11 milhões de tonelada por ano. A produção nacional no ano passado [safra 2018/2019] foi de 5,4 milhões. O restante é importado. Até maio deste ano, já importou 2,7 milhões de toneladas da Argentina. Nos últimos anos, em média, o país vizinho forneceu 90% do volume de trigo importado pelo Brasil – que varia entre 5 milhões e 6 milhões de toneladas anuais. O problema é o que falta por comprar para o restante do ano, pois a Argentina também começou a vender para outros países que antes não vendia e os dados locais mostram uma matemática arriscada.

Segundo os dados do Ministério da Agricultura Argentina, das 18,3 milhões de toneladas disponíveis, 14,9 milhões já foram compradas por exportadores. “O que mostra que eles ficam curtos para abastecer o próprio mercado interno já que os moinhos argentinos precisam de cerca de 6 milhões de toneladas. Eles terão que renegociar contratos que venderam para o mercado externo, o chamado washout, para manter o país abastecido “, diz Luiz Fernando Pacheco, da T&F Consultoria Agroeconômica,.

Os exportadores argentinos garantem, no entanto, que não há perigo de faltar trigo para o Brasil. “A Argentina está em condições de continuar abastecendo a demanda do Brasil, como já fez por anos, especialmente agora que se espera um incremento da produção do trigo argentino, com a qualidade panificadora que que buscam”, afirmou Andrés Alcaraz, gerente de Assuntos Públicos da CEC. Segundo a entidade, a produção da Argentina da safra de 2019 foi de 19,5 milhões de toneladas, do total, 12,5 milhões deverão exportadas, sendo cerca de 5,5 milhões de toneladas prevista para o Brasil.

Pacheco, da T&F Consultoria Agroeconômica, acredita que a fala dos argentinos de que está tudo sob controle não é levada a sério pelo setor do trigo no Brasil, pois os números não batem. “A Argentina aumentou muito a venda do trigo para outros países e a disponibilidade deles para novos negócios é pequena― já que ainda precisam abastecer o mercado interno deles”, explica. “O Brasil ainda precisa de 1,5 milhão de toneladas [além do que já importou até agora]”, diz.

Na avaliação de Rubens Barbosa, da Abitrigo, se Argentina insiste que terá trigo suficiente não deveria se preocupar com a nova medida. “Se tiver trigo argentino, vai ser comprado de lá, é alternativa internacional mais barata do mercado. Se não tiver, os moinhos poderão recorrer a essa cota”, diz ele. O presidente da Abitrigo defende ainda que a medida foi tomada por uma questão de mercado e abastecimento. “Não houve uma questão política ou ideológica porque o Governo daqui é diferente do de lá”, completou. Segundo a Camex, a nova cota deve ter um impacto positivo sobre a oferta do produto no país, contribuindo para reduzir ou conter eventuais aumentos de preço do trigo.

Fonte: El País Brasil

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