De onde vem o que eu como: conheça a produção do trigo e do leite, negócios bilionários no Brasil que ainda enfrentam desafios

Abitrigo
04/06/2020

Jane Figueredo Barbosa, Thainá Orsalino e Edna Garcia de Oliveira não se conhecem, mas foram unidas pelo pão durante a pandemia do coronavírus.

Seja para tirar o sustento enquanto não podem exercer seus trabalhos ou ainda para se distrair ou fazer um carinho na família, elas e muitos outros “padeiros” surgiram nestes tempos difíceis.

O pão já era um item importante para a economia. Junto com a manteiga, além de formarem uma dupla tradicional no Brasil, eles empregam milhões de pessoas na produção do trigo e do leite no campo, e mais de 150 mil nas indústrias.

O faturamento dessas cadeias foi de R$ 39,5 bilhões no ano passado, segundo o Ministério da Agricultura.

E de onde vêm, afinal, esses alimentos? Rio Grande do Sul e Paraná são grandes produtores de trigo e de leite. Minas Gerais, principal bacia leiteira do país, também é uma aposta para a expansão do cultivo do cereal pelo Brasil.

Mas ambas as produções ainda enfrentam dificuldades. No caso do trigo, a maior parte do que é consumido no Brasil precisa ser importada. Para o leite e seus derivados, a queda no poder de compra dos brasileiros se tornou o principal problema.

 

Trigo: desafio de aumentar a produção

O Brasil é um dos principais exportadores agrícolas do planeta, é conhecido como um “celeiro do mundo”, mas, quando o assunto é trigo, a história é outra.

O setor produziu na última safra cerca de 5,5 milhões de toneladas, mas o consumo foi de 12,5 milhões de toneladas. Mais da metade disso foi comprada de outros países, especialmente da Argentina, do Uruguai e dos Estados Unidos, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo).

Com a baixa produção nacional, o trigo virou moeda de negociação dentro do Mercosul, onde argentinos e uruguaios se aproveitavam da isenção de impostos para vender o alimento em troca da entrada de produtos da indústria brasileira.

Mas, agora, essa dependência externa preocupa o governo, especialmente pelo alto valor em que o dólar se encontra, o que prejudica o desempenho da balança comercial brasileira e aumenta a inflação do país, já que o pão francês e a farinha de trigo ficam mais caros.

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, expôs essa dificuldade na reunião ministerial do governo Bolsonaro, em 22 de abril, cuja gravação foi divulgada após autorização do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello. “Nós precisamos incentivar o trigo. É o único produto em que o Brasil não é autossuficiente”, disse ela.

Tereza afirmou que existem áreas no Brasil prontas para receber o cultivo do grão, mas que faltam incentivos, como o crédito subsidiado, para garantir a expansão da atividade. “A agricultura não aguenta 9% de juros (ao ano), é muito alto para ela.”

 

Do frio para o calor

O trigo chegou ao país com Martim Afonso de Sousa, durante a primeira expedição colonizadora de Portugal em solo brasileiro, por volta de 1530. Sousa foi o primeiro dono da capitania de São Vicente, que hoje é parte do estado de São Paulo, e introduziu a cultura nas regiões de Itararé e Itapetininga.

A atividade só encontrou abrigo firme no Sul do Brasil quando os imigrantes italianos começaram a chegar no país, entre 1880 e 1930.

Por ser uma cultura ser muito acostumada ao frio, o trigo acabou se limitando ao Paraná e ao Rio Grande do Sul. Mas, se depender apenas da pesquisa agronômica, hoje o cereal está pronto para o calor do cerrado brasileiro.

O trigo foi adaptado ao clima tropical do Brasil após anos de testes e melhoramento genético das plantas, em um projeto desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

“Nós estimamos que existem mais de 2,5 milhões de hectares aptos para o trigo. Se a gente usasse 1 milhão de hectares, a gente conseguiria reduzir a despesa da balança comercial, aumentaria a produção (de 5,5 milhões de toneladas) para 8 milhões de toneladas, pelo menos”, explica o chefe-geral da Embrapa Trigo, Osvaldo Vieira.

Vieira aponta os estados de Minas Gerais e Goiás, o entorno do Distrito Federal (veja no vídeo abaixo do Globo Rural), e o sudoeste da Bahia como regiões com grande potencial para a expansão do trigo. Ele cita também experiências positivas no Ceará e em Pernambuco.

Desde a década de 1970, os pesquisadores da Embrapa desenvolveram pelo menos 110 variedades de trigo para cultivo no campo. O pesquisador explica que o hábito do consumidor fez com que os agrônomos precisassem criar esses diversos tipos de plantas.

“A indústria é exigente, e o consumidor tem hábitos. Ele gosta de um pão com casca crocante, mais dourado… fizemos muitas pesquisas para melhorar a qualidade do trigo”, conta.

“O consumidor final acha que trigo é trigo, mas existe um trigo para a produção de biscoitos, outro para massas… são pelo menos 4 tipos de farinha para atender ao mercado.”

 

Pão como negócio

Além de alimento, o pão virou também uma forma de ganhar uma renda extra, especialmente durante a pandemia.

Jane Figueredo Barbosa, de 46 anos, é um exemplo. Ela começou recentemente a vender pães artesanais porque teve o contrato suspenso por 60 dias na importadora de vinho em que trabalha como consultora de vendas, perdendo 70% do salário.

Passando por tratamento de câncer, com quimioterapias a cada 21 dias, viu no pão caseiro uma alternativa.

“Eu amo cozinhar, cozinho desde os 8 anos, faço qualquer tipo de prato e faço os pães com muito carinho”, explica Jane, que está vendendo 6 tipos de pães para retirar em um bairro de São Paulo, com valores entre R$ 22 e R$ 29.

“Comecei essa semana (dia 25 de maio) e já tive pedido para 6 pães. Estou bem animada, tenho certeza que vou ultrapassar minhas expectativas (com o negócio), com fé em Deus.”

A zootecnista Thainá Orsalino, de 32 anos, seguiu pelo mesmo caminho. “Eu também sou instrutora de pilates e, com a pandemia, acabei perdendo muitos clientes e, por isso, perdi parte grande da minha renda. Tenho um cachorro especial, que toma muitos remédios, e a venda tem ajudado”, explica.

Ela começou a vender pães e tortas para bairros da capital paulista com uma receita passada de geração para geração.

“O pão pra mim tem um significado muito especial, sempre lembro da minha avó fazendo e do cheiro que deixava na casa. Quando ela faleceu, achei que nunca mais comeria o pão dela.”

A mãe lhe passou a receita, e a família passou a fazer os pães para consumo próprio e pelo valor afetivo. Depois do incentivo dos amigos, o pão virou negócio. “O segredo, sem dúvida, é o amor, o slogan que eu uso é ‘Pão fresquinho feito com amor’.”

Há também quem faça por hobby, como foi o caso da secretária Edna Garcia de Oliveira, de 53 anos, e outros brasileiros que já foram retratados pelo G1.

Trabalhando em regime de home office desde março, ela encontrou espaço para tentar algumas receitas de pães, foram 3 tipos até agora.

“Eu trabalho fora e deixamos de fazer coisas que nossas mães faziam quando éramos crianças. Porém, a quarentena me proporcionou tentar reproduzir as receitas. Eu me aventurei e gostei”, diz.

“A satisfação de confeccionar o próprio pão não tem preço. Apenas preciso melhorar na hora de modelar os pães”, brinca.

 

Leite: setor passa por transformação

A produção de leite, assim como a do trigo, chegou ao país com Martim Afonso, mas foi com a colonização holandesa no Sul, especialmente no Paraná, que a atividade ganhou mais espaço, se consolidando também no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais.

É a matéria-prima da manteiga, cujo consumo no Brasil chega a 90 mil toneladas por ano, sendo 86 mil toneladas produzidas no país, de acordo com a associação que representa o setor (Viva Lácteos). O restante vem dos vizinhos Argentina e Uruguai.

Mesmo assim, a população foi abandonando o consumo deste alimento com o decorrer da crise econômica dos últimos anos, explica Natália Grigol, pesquisadora do Centro de Estudos em Economia Aplicada (Cepea) da Universidade de São Paulo (USP).

“De 2010 a 2013, houve um aumento real da renda do brasileiro, que passou a se preocupar com outras questões, como a qualidade da comida, passou a consumir mais queijos, mais iogurtes”, explica.

“Quando chegou a crise de 2014 e 2015, você vê um encolhimento desse consumo, todas as cadeias sofreram, e o mercado de derivados do leite é interligado”, diz a pesquisadora.

Natália afirma que os últimos anos foram difíceis para indústria de laticínios e produtores, que vivem um dilema de preços. Entre 2006 e 2017, cerca de 180 mil pecuaristas de leite deixaram a atividade, segundo o último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Outro reflexo é que a produção de leite está estagnada no país desde 2014. Dados do IBGE mostram que o pico de captação foi de 35 bilhões de litros naquele ano, sendo que o nível mais próximo foi registrado em 2018: 33,8 bilhões de litros.

“O setor tem um grande potencial, mas, apesar desse potencial, a produção está estagnada, existem grandes dificuldades, como a cautela dos produtores em investir e o endividamento da atividade”, diz Natália.

O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), Geraldo Borges, reconhece a dificuldade dos últimos anos, mas afirma que este é um momento de transformação do setor.

“Parte dos produtores está se especializando com tecnificação e maior eficiência, enquanto outros terão que seguir para outras áreas da cadeia, como a terceirização de recria de fêmeas e machos para vitelos e produção de alimentos volumosos”, afirma.

Mesmo com as dificuldades, o setor leiteiro movimentou R$ 34,9 bilhões no campo em 2019, segundo o Ministério da Agricultura. “Estimamos que o setor empregue de 4 a 5 pessoas diretamente, ou seja, 5 milhões de famílias. O leite é um alimento saudável e que contribui com o país”, acrescenta Borges.

 

Manteiga X margarina

Quem rivaliza com a manteiga por espaço no pão é a margarina. As duas são produtos do campo, mas cada uma a sua maneira.

Enquanto a manteiga é feita a partir do processamento de um leite rico em gordura, a margarina é um derivado de óleos de vegetais, como soja e milho.

No passado, havia uma disputa de narrativas para saber qual era mais saudável. A manteiga chegou a ter sua imagem prejudicada por ter sido associada a problemas de saúde.

“Na década de 1990, houve uma ‘demonização’ de produtos de origem animal, como a manteiga, com estudos associando a doenças cardíacas, mas não houve tanto monitoramento para se chegar a essa conclusão”, conta Natália Grigol, do Cepea.

Porém, com o passar dos anos e a busca dos consumidores por uma alimentação mais natural, a manteiga voltou a ganhar destaque.

“A manteiga passou por esse resgate por não ser visto como um alimento artificial. Houve um movimento de gastronomia e ‘gourmetização’ que estimulou o seu uso”, destaca a pesquisadora.

“E o que se viu é que, mesmo com os efeitos da crise econômica dos últimos anos, o consumo de manteiga se manteve estável”, completa Natália.

Fonte: G1

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