Cabe mais trigo no campo

Abitrigo
07/01/2021

Tomar uma xícara de café com leite acompanhada de um bom pão francês é uma das tradições já típicas da mesa dos brasileiros, hábito que tornou o trigo indispensável entre as commodities mais compradas pelo País. E não é só o pão. Na medida em que a renda média da população cresce, aumenta o consumo de bolos, massas e biscoitos, tornando o cereal mais e mais popular. O Brasil, no entanto, está longe de ser autossuficiente e produz menos da metade das cerca de 12 milhões de toneladas que consome anualmente. Na safra 2019/2020, o País colheu 5,1 milhões de toneladas, e para a safra 2020/2021 a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima uma produção de 6,8 milhões de toneladas, 32% a mais do que a anterior, porém ainda longe de atender o apetite interno.

Por ser uma cultura de inverno, a maior parte dos hectares cultivados estão concentrados na região Sul do País, que representa 88% da área e da produção total de trigo nacional. Mesmo com bom desenvolvimento das plantas no início da safra graças às condições climáticas favoráveis nos meses de junho e julho, o resultado do ano poderia ser melhor não fosse a perda de parte da produção sulista atingida por intempéries, principalmente no mês de agosto. Frio intenso, geadas e até mesmo períodos de estiagem impactaram parte da lavoura. “O sul do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina tiveram dias frios. Por sorte, como parte do trigo estava em desenvolvimento vegetativo, não houve grandes danos”, disse Cleverton Tiago Carneiro de Santana, superintendente de Informações do Agronegócio na Conab. Em parte do Paraná o prejuízo foi maior, já que uma parcela do plantio já estava em floração e frutificação. “As geadas provocaram a redução do potencial produtivo da cultura na região”, afirmou o superintendente.

Para a engenheira agrônoma, Athina Illich, cuja família se dedica há mais de 30 anos ao cereal na propriedade de 250 hectares em Guarapuava (PR), se não fosse a estiagem a safra poderia ter sido muito melhor. “As chuvas nos períodos críticos da cultura – perfilhamento e espigamento – ajudaram a manter bons resultados, mas o potencial produtivo diminuiu de 10% a 15% devido aos períodos de seca”, afirmou Athina. Em 2019, foram colhidos cerca de 4,5 mil quilos por hectare na propriedade, e neste ano a estimativa é de redução de cerca de 60 mil quilos. O engenheiro agrônomo Bruno Reinhofer, que desde 2007 trabalha na propriedade do grupo familiar Reinhofer, conta que no espaço de 300 hectares localizado em Pinhão (PR), a produtividade também diminuiu cerca de 15%. “Ainda é cedo para falar em números finais, mas essa estimativa de queda se dá devido à estiagem”, disse Reinhofer, que relata que no ano passado foram colhidos cerca de 3,8 mil quilos por hectare e neste ano colherá ainda menos.

Com o objetivo de evitar grandes perdas de produção na região paranaense como registrado em 2019, ano em que as geadas ocasionaram uma quebra de 30% a 40% no potencial produtivo, a Coopavel Cooperativa Agroindustrial, localizada em Cascavel (PR), investiu no incremento de 10% da área de plantio. “Neste ano aumentamos a área e tivemos uma perda de 10% na safra por conta dos dias de seca e geadas no mês de setembro”, disse Dilvo Grolli, presidente da Cooperativa. Como consequência, a estimativa de colheita que era de 3,6 mil quilos por hectare, passou para 3.240 mil quilos por hectare. Mesmo com a redução da produtividade, a cooperativa terá uma boa safra. “Em 2019 colhemos 90 mil toneladas de trigo no total, e para este ano esperamos cerca 180 mil toneladas”, afirmou Grolli.

RECORDE

Ainda que o clima não tenha jogado 100% a favor, a produção nacional de trigo poderá bater o recorde de 2016, que foi de 6,7 milhões de toneladas. O preço também ficou mais favorável para o produtor. No final do mês de agosto a saca de 60 quilos do ceral alcançou patamar de R$ 65, incremento de 35% em comparação com mesmo mês do ano passado, em que a média foi de R$ 40. “A perspectiva é que esse nível de preço se mantenha. Não estamos esperando nenhuma baixa ou alta significativas”, disse Rubens Barbosa, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo). No caso da cooperativa, Grolli explica que a valorização do preço do grão em 35%, reduziu o impacto dos custos de produção que aumentaram de 10% a 15%. Outro benefício foi a compensação da perda de 10% da safra, o que fez com que o produtor ainda obtivesse um saldo positivo. Com a valorização do trigo, a cultura se tornou mais viável e rentável para os produtores. Por ser um produto vendido especialmente no mercado interno, porém, o agricultor tem poucas oportunidades de comercialização com boa remuneração, como acontece com o milho e a soja. “Os moinhos, que são os compradores que industrializam o trigo, não costumam dar a melhor opção para o produtor”, afirmou o presidente da Coopavel.

DEPENDÊNCIA 

Hoje, o Brasil importa cerca de 60% do trigo que consome, sendo 89% proveniente do Mercosul, de acordo com dados disponibilizados pelo ComexStat do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviço (MDIC). Para reduzir essa vulnerabilidade, que foi intensificada pela pandemia, é preciso agir e pensar em alternativas. Com as boas novas relacionadas a triticultura, a expansão da área de cultivo se tornou uma realidade. Os preços mais favoráveis estimularam o aumento da área semeada, que fez o País passar de 2 milhões de hectares, para 2,3 milhões de hectares, aumento de 14%. Só no Rio Grande do Sul houve ampliação de 26% de área, que foi de 735,9 mil hectares em 2019, para 930,2 mil hectares neste ano. Além dos estados que já possuem a tradição no cultivo do trigo, Mato Grosso, Minas Gerais, São Paulo, Ceará, Sergipe e Bahia também estão se dedicando à cultura. “Está havendo uma diversificação do plantio, que ainda está na fase inicial e com quantidades pequenas. À medida que isso se consolidar, teremos uma produção maior e diminuiremos a dependência de importação”, afirmou o presidente da Abitrigo.

Outra medida tomada pelas organizações é apostar em estudos para a adaptação do trigo em ambientes adversos, de maneira que a dependência geográfica e climática não seja mais uma barreira para a produção em alta escala. “Plantamos trigo no Paraná sob forte estresse de baixas temperaturas, assim como temos no Distrito Federal com um clima muito mais quente e ambos os casos com boa produtividade”, afirmou o superintendente. O País tem potencial para alavancar a produção nacional, mas o caminho para a autossuficiência é longo e os produtores se ressentem por falta de apoio financeiro e técnico.

Fonte: Dinheiro Rural

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