‘Talvez a gente tenha que intensificar o isolamento em SP’, diz secretário municipal de Saúde

Coronavírus
30/04/2020

Secretário municipal da Saúde de São Paulo, Edson Aparecido é categórico quanto à possibilidade de flexibilização da quarentena na cidade a partir de 10 de maio. Em entrevista ao GLOBO nesta quarta-feira, ele afirmou que não haverá relaxamento das medidas de restrição de mobilidade: inclusive elas podem ser ampliadas. Com a rede hospitalar municipal registrando 74% de ocupação, Aparecido diz que a prefeitura acionou um plano B e começou a contratação de leitos privados para tentar enfrentar o pico do pandemia do novo coronavírus.

A quarentena na capital será flexibilizada em 10 de maio?

Os números de hoje não permitem anunciar qualquer perspectiva de relaxamento. Em 56 dias, até 23 de abril, tivemos 45.518 casos de Covid-19 na cidade, média de 812 por dia. Nos dias 24, 25 e 26, isso pulou para 55.584, média de 3.355. Até 9 de abril foram 422 óbitos confirmados e 688 óbitos suspeitos. Em pouco mais de 10 dias, tivemos aumento de 200% das mortes.

O que esses números dizem então?

Mostram que estamos entrando no momento mais agudo da doença e da pressão na rede hospitalar. Abrimos 650 leitos de UTI e 2.400 leitos de enfermaria, e a média de ocupação chegou a 74% ontem (anteontem). Significa que as medidas de isolamento deram resultado no começo, ganhamos tempo para preparar o sistema de saúde. Mas o relaxamento no isolamento dos últimos dias já produz esses números na pandemia.

O governador João Dória acenou com um relaxamento da quarentena. Foi desastroso?

Não se pode dizer isso porque as medidas de restrição continuam em vigor. Não houve alteração. Acho que é um conjunto de fatores. Em todos os países houve uma unidade no enfrentamento da doença, os entes da federação tiveram um caminho comum. Aqui essa pressão que permanentemente ocorreu para afrouxar o isolamento social não foi bom. O isolamento é a grande arma que a gente tem. Por isso, aqui na cidade a gente não pode imaginar qualquer relaxamento (de quarentena) neste momento. Ao contrário, o prefeito tem colocado que talvez a gente tenha que intensificar essas medidas. Se continuar o nível de circulação do vírus, o que vai acontecer é que o pico da doença que se previa para o fim de maio e início de junho acabe se antecipando. Isso não é bom porque ainda estamos recebendo respiradores e contratando profissionais de saúde.

Que medidas são essas de ampliação da quarentena?

O prefeito deve anunciar algo amanhã (hoje).

Ele pode decretar lockdown?

Não. Isso não foi discutido.

O senhor estava referindo-se ao presidente Jair Bolsonaro quando falou da falta de unidade no combate à epidemia no país. Ele minimizou essa semana o recorde de mortes e perguntou o que ele poderia fazer diante disso. O presidente pode fazer algo por São Paulo, que é o epicentro da pandemia?

Evidente que o presidente é o líder do país. Essa preocupação em manter o isolamento hoje está comprovada em todo o mundo que ela tem eficácia. É muito importante que haja uma mesma linguagem a ser transmitida para a população no sentido de que ela não subestime a doença. O Ministério da Saúde sob o ex-ministro Henrique Mandetta nos ajudou muito, fez uma transferência de recursos importante para a cidade. Estamos aguardando outras medidas que havíamos pedido ao ministério como respiradores, equipamentos e testes.

Mudou a interlocução da prefeitura com o Ministério da Saúde após a troca de ministro?

Nós não tivemos ainda nenhum contato com a nova gestão.

É questão de poucos dias o esgotamento dos leitos na rede municipal?

A gente partiu para uma outra frente que é a contratação de leitos da rede privada justamente para evitar o colapso. Isso vai nos ajudar a ter mais leitos de UTI. Se vai ser o suficiente só vamos saber mais na frente.

Quantos são esses leitos a serem contratados da rede privada?

Acho que a gente pode agregar 20% a mais com o aluguel de leitos privados. Nós instalamos 651 novos leitos públicos até agora e vamos chegar a 1.400. Já alugamos 40 leitos com o Hospital da Cruz Vermelha e estamos em negociação com o Hospital Santa Catarina, HCor e outros.

Hospitais de campanha seguem na mesma direção de esgotamento de leitos?

Se a gente continuar com essa curva ascendente de casos na velocidade dos últimos dias vamos ter a ocupação muito rápida dos hospitais de campanha.

Num cenário de colapso da saúde, o que restaria a prefeitura fazer?

A gente não pode lidar com a perspectiva do colapso. A gente tem que lidar com a perspectiva de que vamos conseguir fazer a ampliação necessária. É o tempo todo trabalhando para isso e continuar firme com as medidas de isolamento.

O prefeito Bruno Covas disse na semana passada que o pior está por vir. Vamos ter em São Paulo cenas de corpos pelas ruas, mortos em casa sem atendimento?

Não. A gente tem mil equipamentos de saúde na cidade. Se não tivéssemos uma rede tão extensa, seguramente, estaríamos numa situação muito mais grave. São 21 hospitais. Agora, não se pode subestimar a doença.

O senhor fez um mea-culpa ao dizer que a liberação de pacientes leves dos hospitais levou a muitos óbitos em casa. A prefeitura passou a atender esses pacientes?

Isso foi mudado. Estamos mantendo o procedimento de retorno para casa, mas a pessoa é acompanhada por três ou quatro dias por um agente comunitário de saúde. Se permanece com o sintoma, é internada em um hospital de campanha.

Tem equipes suficientes para esse atendimento domiciliar?

Claro. Temos 80 mil profissionais de saúde, mil equipamentos espalhados pela cidade. Temos total condição e estamos fazendo.

O Samu deixou de atestar óbitos em casa. Quem Fará?

Vamos contratar equipes de médicos e enfermeiros que vão só tratar dos óbitos em residências. Serão 12 equipes para fazer os atendimentos na cidade. Já temos seis equipes contratadas.

Laboratórios contratados pelo estado queixam-se de que a coleta de exame da Covid-19 não tem sido feita adequadamente e que resultados ficam prejudicados. A prefeitura teve cerca de 600 exames cancelados até agora. Alguma medida será tomada para reduzir esse número?

As nossas amostras são colhidas corretamente. O que acabou acontecendo é que o Instituto Adolfo Lutz demorou muito para processar essas amostras e, das 29 mil amostras encaminhadas para eles, ainda temos 8.272 amostras aguardando resultados. Então não houve nenhuma improcedência de mau manejo das amostras colhidas pela prefeitura.

O governo estadual diz que não tem mais fila de espera por resultado de exames. Por que a prefeitura diz que aguarda mais de 8 mil testes?

O resultado não chegou para nós porque quem centraliza o sistema de notificação é o Ministério da Saúde. Eventualmente, o Instituto Adolfo Lutz processou, mas o resultado não entrou ainda no sistema e não temos como saber.

Há muitos profissionais de saúde que não foram testados. Há intenção de realizar testagem em massa, mesmo de assintomáticos?

Desde o começo temos testes para os profissionais de saúde que apresentam sintoma. Temos 3.106 funcionários afastados e 751 com Covid-19. A testagem em massa… você testa hoje e amanhã já é outro quadro. Pelo menos até agora a estratégia tem permitido trabalhar com segurança. Temos 3.106 funcionários afastados por supeita da doença e 751 com Covid-19 confirmada.

Há falta de equipamento de proteção individual?

Não. Compramos quase 20 milhões de máscaras. Aventais e luvas nós temos. A cada três dias, a rede de atenção básica é abastecida. Estamos de novo entrando com um segundo lote de equipamentos de proteção de individual. A gente utilizava 250 mil máscaras por mês e agora são 500 mil por semana.

Alguma cena nesta pandemia o abalou de forma especial?

Quando chega à noite em casa e ouve os relatos sobre como as pessoas estão morrendo, às vezes o consolo é chorar.

Se sente fazendo a coisa certa ou é maior a frustração por tantas mortes?

Vixi, temos que fazer muita coisa ainda.

Fonte: O Globo

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