Impactos da pandemia derrubaram PIB do primeiro trimestre

Coronavírus
26/05/2020

Impostas a partir da segunda quinzena de março em várias regiões do Brasil para conter o avanço da pandemia de covid-19, as medidas de isolamento social derrubaram a atividade econômica no mês. O tombo observado em diversos setores foi suficiente para comprometer o resultado do primeiro trimestre, que deve marcar o início da recessão. Segundo a estimativa mediana de 48 instituições financeiras e consultorias ouvidas pelo Valor Data, o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 1,5% de janeiro a março na comparação com o último trimestre de 2019, feitos os ajustes sazonais.

As projeções para as Contas Nacionais Trimestrais, que serão divulgadas na sexta pelo IBGE, variam desde retração de 2,5% até recuo de 0,8% para a comparação trimestral dessazonalizada. Em relação ao primeiro trimestre de 2019, a economia brasileira deve ter encolhido 0,2%.

Para 2020, a mediana aponta queda de 6,3% no PIB, mas os cenários têm ficado mais negativos a cada dia, na medida em que os economistas incorporam dados ruins já conhecidos para o segundo trimestre, a postergação das políticas de quarentena e o “lockdown” mais rígido em algumas capitais, já que a curva de contaminação pelo novo coronavírus não dá sinais de achatamento. Além da crise de saúde, o aumento do risco fiscal e das turbulências na política torna o quadro mais desafiador.

“O surto de covid-19 continua a se espalhar no Brasil, o que deve aprofundar a recessão econômica, a despeito do nível sem precedentes de políticas de estímulo”, afirmou o J.P. Morgan em sua última revisão de cenário. A equipe econômica chefiada por Cassiana Fernandez calcula que o PIB caiu 1,5% no primeiro trimestre.

No começo do ano, apenas o setor agropecuário escapou de retração, ao crescer 1,5% sobre os três meses anteriores, de acordo com a mediana de 17 instituições. A tendência deve se manter em 2020, quando espera-se expansão de 2,3% do PIB agro. O segmento, no entanto, tem peso pequeno no valor adicionado, de 5,2%. Assim, sua trajetória positiva pouco ajuda a economia.

Já os serviços, que respondem por mais de 70% do PIB e, em muitos subsetores, tiveram de fechar as portas, devem ter recuado 1,3% nos primeiros três meses de 2020. Se confirmada a expectativa mediana, será a primeira vez que o PIB do segmento entrou em terreno negativo nessa medida desde o quarto trimestre de 2016 (-0,6%).

A indústria também não foi poupada, e deve ter redução de 1,4% em seu PIB nos três meses terminados em março. Do lado da demanda, o destaque negativo deve ser o consumo das famílias, que, segundo os economistas, diminuiu 1,3% no período.Já os investimentos tiveram queda mais fraca, de 0,5%, mas devem terminar 2020 com tombo de 11,7%, paralisados em meio a um ambiente de incerteza elevada.

O setor externo foi outro componente que deve ter gerado contribuição negativa ao PIB no primeiro trimestre. Segundo a mediana de 16 analistas, as exportações caíram 1,2%, ao passo que as importações subiram 4,2%.

Para Leonardo Porto e Paulo Lopes, economistas do Citi Brasil, a recessão de 2020 será duas vezes mais severa que a crise financeira de 2008 e 2009 para o país. Porto e Lopes estimam que o PIB vai recuar 6,5% na média do ano, mas, entre o pico pré-crise e o pior momento, a redução deve alcançar 11%. No primeiro trimestre, a expectativa é de queda de 1,5% sobre o quarto trimestre de 2019.

A demanda doméstica (soma de consumo das famílias, do governo e dos investimentos) deve encolher 8,3% este ano, calculam os economistas do Citi, influenciada por queda de 8,7% do consumo privado e de 15,3% da formação bruta de capital fixo (FBCF, medida das contas nacionais do que se investe em máquinas, construção civil e inovação).

Nas estimativas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), a formação bruta subiu 0,7% entre o quarto trimestre do ano passado e o primeiro deste ano. Segundo a pesquisadora Luana Miranda, a importação de máquinas e equipamentos teve desempenho positivo no período, mais do que compensando a retração da produção doméstica, mas a alta dos investimentos dentro do PIB não terá fôlego.

“Já não tínhamos um cenário animador para o investimento, mesmo se o PIB crescesse em torno de 2% este ano, porque outras reformas eram necessárias”, diz Luana, que trabalha com recuo de 15,7% da FBCF em 2020, e retração de 5,4% da economia.

O impacto negativo da pandemia sobre o nível de atividade ocorrido já no primeiro trimestre foi mais forte do que o esperado anteriormente, aponta Luis Fernando Azevedo, economista-chefe da MZK Investimentos, para quem o PIB caiu 1,3% sobre os três meses anteriores. “Quando começou, era um choque de oferta, como a greve dos caminhoneiros de 2018, algo que passa rápido. Mas a crise também virou um choque de demanda”, disse.

Azevedo destaca que, mesmo nos países em que as medidas de distanciamento já foram relaxadas, como na China, a população não tem voltado às compras, seja por medo da doença, ou porque perdeu renda. “Por aqui, o consumo vai sofrer bastante agora e nos próximos trimestres, com as pessoas evitando gastos, com medo de perder o emprego, e fazendo poupança precaucional”, comentou. Nos cálculos da MZK, a demanda das famílias diminuiu 0,7% nos primeiros três meses do ano.

Do lado da oferta, a maior cautela dos consumidores e as medidas de restrição à mobilidade reduziram a atividade dos serviços, que, no cenário do Ibre/FGV, ficou 1% menor no primeiro trimestre. “Na Pesquisa Mensal dos Serviços (PMS), o destaque foi a impressionante queda dos serviços prestados às famílias, de 33,4% em março na comparação com igual mês do ano anterior”, observa a entidade.

O isolamento social repercutiu em todos os setores da economia em março, nota a equipe de conjuntura do Ibre. Na indústria, cuja produção caiu 9,1% ante fevereiro, descontados os fatores sazonais, as piores quedas ocorreram nos segmentos de bens de consumo duráveis e bens de capital, menciona Luana. Ela prevê recuo de 0,9% do PIB industrial no primeiro trimestre, com desempenho negativo na indústria extrativa (-4,1%), na parte de transformação (-1,4%) e na construção civil (-0,9%).

Fonte: Valor Econômico

Deixe sua opinião