Dividir PIB público e privado é questionável; o importante mesmo é crescer

Setor
12/03/2020

A Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia (SPE) divulgou uma nota técnica segmentando o PIB, o Produto Interno Bruto, em dois componentes: PIB Privado e PIB Público. Essa divisão gerou um forte debate e reações na mídia e redes sociais. Por quê?

Vamos ao conceito: o PIB mede toda a produção de bens e serviços finais, produzidos em um determinado país, num espaço de tempo (trimestre, ano…). Por que bens finais? Para não contabilizar várias vezes o mesmo bem. Por exemplo, o trigo que é utilizado na farinha de trigo, no pão, no hambúrguer. Se somarmos a produção (em reais) desses três produtos, contabilizaríamos o trigo quatro vezes (o seu valor original e as outras três etapas da cadeia simplificada). Dessa forma, subtraímos do ‘valor bruto da produção’ o chamado ‘consumo intermediário’. O PIB é, portanto, a soma do valor adicionado da produção. Para chegarmos aos R$ 7,3 trilhões do ano de 2019, precisamos também adicionar os impostos.

Podemos também obter o resultado do PIB a partir de outras duas óticas. A primeira contabilizando tudo o que foi gasto no período analisado. Já a segunda a partir de toda a renda gerada na economia com o processo produtivo. Note que essa igualdade contábil se dá porque os valores dessas três somas (pelas óticas de produção, gasto e renda) são, em unidades monetárias, iguais. Mas isso não significa que sejam exatamente a mesma coisa.

O primeiro problema da nota é utilizar a ótica das despesas para definir um PIB Privado e um PIB Público. PIB (Produto Interno Bruto) é conceitualmente produção. Quando o governo compra uma cadeira para uma escola, isso entraria como o PIB de quem? Do governo, por ser gasto do Estado? Mas não foi produzido pelo setor privado? Isto dá uma primeira ideia do problema dessa decomposição.

Mas tem mais algumas questões. No componente “consumo das famílias” existem gastos que são fruto de desembolsos do governo (caso contrário, a participação do governo na economia, medida pelo percentual dos gastos no PIB, estaria por volta de 20% apenas, pouco mais do que a metade do que é de fato). Mesmo assim, voltamos na questão anterior. Consumo decidido por uma família, com desembolso do governo, que gera renda para uma empresa privada, e que paga impostos é PIB de quem?

Temos também o fato de que, embora os gastos públicos (de consumo e de investimento) tenham diminuído, os impostos cresceram em 2019 frente ao ano de 2018. Este crescimento dos impostos deve ser entendido como PIB Privado?

Olhar a composição dos gastos é, sim, muito importante. Mas dividir a produção a partir deles parece ser uma técnica problemática. As razões do nosso baixo crescimento encontram-se, em última instância, na produtividade dos nossos fatores de produção e o que explica a dificuldade que temos em crescer não está em quem decide gastar, mas nas barreiras que enfrentamos para realizar as reformas estruturais na economia e criarmos as condições para um crescimento econômico sustentado.

Entendemos ainda a preocupação implícita e legítima do governo de deixar claro que gastos excessivos do Estado podem provocar um deslocamento do investimento privado (efeito crowding out), conforme destacado na literatura econômica e fartamente observado em vários momentos na economia mundial. Entretanto, “levantar uma bola” metodologicamente questionável, em um momento de crise e de ânimos tão acirrados, pode gerar efeito contrário ao esperado e trazer uma comparação equivocada com a “contabilidade criativa” do governo Dilma.

PIB Público? PIB Privado? O que importa é tomarmos as decisões corretas para que ele volte a crescer.

Fonte: UOL

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