Déficit da balança da indústria aumenta 66% no 1º semestre

Coronavírus
18/08/2020

Na primeira metade de 2020, o déficit da balança comercial da indústria de transformação avançou 66% em relação ao mesmo período de 2019, atingindo US$ 19,1 bilhões. A deterioração foi em parte resultado de perda histórica de participação dos bens industriais nas exportações. A fatia da indústria de transformação nos embarques brasileiros caiu de 58,6% para 53,5% do primeiro semestre de 2019 para iguais meses deste ano. É a menor participação da indústria desde o início da série para o período. Os dados são do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

O déficit da primeira metade de 2020 resultou de queda maior das exportações que das importações. Com tombo de 15,6%, os embarques somaram US$ 54 bilhões no acumulado até junho, o menor montante exportado desde o primeiro semestre de 2009. As importações decresceram 3,2% na mesma comparação, ficando em US$ 73,1 bilhões.

Além da redução de participação da indústria na exportação total, a perda foi mais acentuada ainda nos ramos intensivos em tecnologia, destaca Rafael Cagnin, economista do Iedi. A participação conjunta da média alta e da alta tecnologia na exportação de bens industriais caiu de 32,2% para 25,8% do primeiro semestre de 2019 para iguais meses deste ano. Trata-se do pior desempenho nos últimos 12 anos para o período. Olhando separadamente a alta tecnologia, a fatia caiu de 6,8% no primeiro semestre de 2019 para 4,1% em igual período de 2020. Em 2018, há dois anos, a fatia era de 8%.

Cagnin ressalta que a perda de espaço da indústria de transformação acontece há mais de dez anos, com alguma interrupção no biênio de 2015/2016. Nesse período houve avanço das exportações porque, com retração da demanda doméstica, as indústrias aproveitaram um período de câmbio favorável para exportar. Mas logo depois a tendência de queda voltou, para chegar agora ao ponto mais baixo da série.

“Há um processo de primarização prolongada da pauta exportadora”, diz o economista. “Não há problema nenhum em exportar commodities”, afirma ele, mas o ponto é que as cadeias produtivas de produtos básicos são mais curtas e não há o processo de industrialização, o que potencialmente retira a possibilidade de gerar mais renda e emprego, com desdobramentos no desenvolvimento tecnológico e na atração de investimentos.

A perda maior dos ramos mais intensos em tecnologia é um agravante, diz Cagnin. Segundo dados do Iedi, na indústria de alta tecnologia, por exemplo, o déficit comercial aumentou 10% na primeira metade de 2020 ante mesmo período do ano anterior.

O déficit desse grupo foi de US$ 12,2 bilhões no acumulado até junho, maior do que os dos quatro anos anteriores para o primeiro semestre. Os embarques dos bens mais intensivos em tecnologia despencaram 48% no primeiro semestre enquanto as importações recuaram 6,5%, na comparação com igual período de 2019.

A faixa de média-alta intensidade encerrou o primeiro semestre com déficit de US$ 20,3 bilhões, o maior dentre as cinco faixas. Ainda assim, sua magnitude ficou menor do que a registrada em igual período entre 2011 E 2015. Suas exportações recuaram 28,2% em relação ao primeiro semestre do ano passado. Tal recuo foi puxado pela retração nas vendas externas do ramo de veículos automotores, reboques e semi-reboques, registrando déficit, embora de menor magnitude que no primeiro semestre de 2019. O saldo dos produtos químicos (exceto farmacêuticos) permaneceu como maior déficit. Enquanto isso o segmento de máquinas e equipamentos não especificados noutros ramos teve o maior aumento no déficit, uma combinação de retração das exportações com incremento nas importações. As perdas nesses grupos, diz Cagnin, podem representar um isolamento maior da produção brasileira, já que os grupos de alta e média-alta intensidade tecnológica são os que tendem a permitir maior inserção nas cadeias globais de valor.

Para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), a trajetória de perda de espaço dos embarques de bens industriais mostra que há problemas estruturais anteriores à pandemia e, passada a crise atual, essas deficiências podem se agravar.

Nas exportações à União Europeia e aos Estados Unidos, diz ele, mais de 70% das operações são intrafirma. Após a pandemia, porém, é possível que haja uma reorganização desses conglomerados em busca de competitividade, quesito no qual o Brasil é vulnerável. Para Castro, o resultado da balança da indústria preocupa menos o governo porque o resultado total do intercâmbio comercial brasileiro, o que inclui os não industrializados, ainda tem superávit de US$ 30 bilhões de janeiro a julho. O saldo positivo, porém, é resultado de queda de importações e ocorre com simultâneo encolhimento da corrente de comércio.

Um agravante para esse quadro é a diferença de estágios da pandemia em que se encontram o Brasil e outros países em relação à covid-19, segundo Cagnin. Enquanto o Brasil faz a travessia, outros países já iniciam a retomada. “Além da competitividade dos produtos, a China, por exemplo, se recupera antes do restante da América Latina, com condições de exportação restabelecidas antes, o que pode levar a um deslocamento no comércio.”

Além da diferença de timing da doença no mundo, o enfrentamento da crise atual, diz Cagnin, tem sido mais difícil em países como o Brasil, devido a questões como desigualdade social, deficiências no saneamento, gargalos nos sistemas de saúde e dificuldade de implementação de medidas econômica. A falta de estrutura torna mais difícil a travessia da pandemia, o que faz o descompasso ser ainda maior em relação a outros países que conseguiram enfrentar a covid-19 com mais facilidade.

Para Cagnin, é preciso estabelecer de forma clara uma agenda com o objetivo de aumentar a competitividade das empresas. Uma reforma tributária mais ampla possível, de forma que não eleve a carga tributária, é fundamental, aponta. Para ele, o início da implementação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) pode se iniciar com os tributos federais, como vem propondo a União, mas é preciso que a progressão para o ICMS e ISS esteja claramente definida. Caso contrário, seria mais um elemento de incerteza a agravar o ambiente de insegurança. Para Cagnin, uma agenda nesse sentido é imprescindível para que a indústria brasileira tenha lugar para competir na saída da crise, quando todos os países estarão tentando ampliar mercado, com o consequente acirramento da concorrência.

Fonte: Valor Econômico

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