Conheça os padeiros que vêm mudando o modo de fazer e vender pão

Saudabilidade
06/08/2019

O hábito de ir à padoca comprar pãozinho é um ritual matutino de muitos paulistanos. De quebra, dá para colocar na sacola bolo, macarrão, vinho e até aquele produto de limpeza em falta na despensa… A maioria das mais de 5 000 padarias da cidade, de acordo com o Sindicato da Indústria de Panificação e Confeitaria, se tornou loja de conveniência. Na contramão dessa tendência, um grupo ainda pequeno de profissionais tem uma proposta diferente: deixar os penduricalhos de lado e dedicar-se ao essencial, o pão.

Na cartilha desses novos padeiros, estão abolidos os fermentos prontos para acelerar a produção, os melhoradores para esconder defeitos de farinhas de má qualidade e as pré-misturas que dominaram boa parte dos estabelecimentos tradicionais. Sem essas facilidades industrializadas, a mágica encontra-se no fermento natural, também conhecido pelo nome francês levain. Essa cultura de leveduras e bactérias obtida apenas de farinha e água exige cuidados diários para se manter em boas condições. Respeita-se o tempo natural de fermentação.

É essa característica que tem atraído pessoas, em sua maioria jovens, interessadas em mudar não só de carreira, mas também de ritmo de vida. “A fermentação natural baixa a ansiedade. É como uma terapia”, acredita Demian Takahashi, cheio de tranquilidade. A opção pela técnica não é filosofia de trabalho, já que alguns até se permitem colocar um tiquinho de fermento biológico para garantir o crescimento, mas uma opção pelo sabor. Prova disso é que restaurantes como o Corrutela, de cozinha autoral, e o brasileiro Mocotó também entraram na produção de pães artesanais.

Essas novas fornadas resultam em pães grandes, cascudos, de interior elástico repleto de alvéolos e gostinho ácido. O preço por unidade, nada em conta, ultrapassa 15 reais facilmente. Além do produto e do valor, os padeiros apresentados nas próximas páginas estão transformando o modelo de negócios convencional. Alguns dispensam portas abertas ao público, outros operam em horários reduzidos e há quem se comunique com os clientes via newsletter ou por WhatsApp.

O PÃO COMEÇA NO CAMPO
Alethea Suedt não chega sozinha à loja A Padeira, na Vila Madalena. O fermento, seu parceiro, vai e volta de carona com ela, dentro de um pote. “Preciso alimentá-lo três vezes por dia”, explica Alethea. O processo de adicionar farinha e água ao levain para potencializá-lo e aumentar seu volume é essencial para que ela prepare suas ótimas e belas receitas — a experiência adquirida por Alethea em sua profissão anterior, designer de joias, a ajuda a manter o zelo pelo visual de cada peça. No nosso pão (33 reais o quilo), com ela na foto acima, vai farinha orgânica integral moída na casa. O próximo passo é ter trigo próprio. Para isso, ela beneficia um pequeno produtor de trigo em Piracaia. “Quero estar perto de quem faz. O pão começa no campo”, conta. Embora o estabelecimento abra em horário reduzido, público não falta.

QUÍMICA DA FERMENTAÇÃO
Bem antes de criar a Toast, Flávia Maculan Ades já manjava de temperatura, bactérias, pH, ativação de enzimas e outros detalhes por causa da graduação em biologia e do mestrado na área da saúde. A virada na carreira de pesquisadora aconteceu pela vontade de mudar o estilo de vida. Sua formação facilitou o entendimento da teoria, mas a prática só veio com o estágio na Tartine Bakery, padaria situada na Califórnia que é referência em fermentação natural. “A natureza do pão é fascinante. Para acompanhar sua transformação, é preciso respeitar o tempo, ter calma”, explica Flávia. Há quatro anos ela vende ótimas variedades sob encomenda por meio de uma newsletter que vai para a caixa de entrada de 1 300 clientes semanalmente. O miolo de aveia (35 reais) dá a sensação de derreter na boca pela união da massa já bem hidratada com uma espécie de mingau fermentado do grão. Esse e outros pães devem estar no ponto físico que Flávia pretende inaugurar no próximo ano na Vila Buarque.

MODELANDO NA COZINHA
Izabela Tavares conheceu o mundo de passarela em passarela. Só tinha um problema: sempre que viajava, gostava de experimentar de tudo. Por isso a dieta no retorno a casa era certeira. A vida no salto alto se aquietou quando decidiu cursar gastronomia. Especializou-se em fermentação natural e começou a vender pães aos amigos até o produto chegar a Bel Coelho, do restaurante sazonal Clandestino. “Talvez ela nem saiba, mas foi uma madrinha para mim”, conta. À frente da Iza Padaria Artesanal há três anos, Izabela prepara receitas como a de quinoa aromatizada com limãosiciliano (33 reais) com a ajuda de três assistentes. Vez ou outra, um quarto minipadeiro, Luca, seu filho de 1 ano, aparece no ateliê, no térreo do prédio onde mora, na Vila São Francisco. É lá que os clientes podem buscar seus pedidos de quarta a sexta.

PRATICIDADE CRIATIVA
Foi uma receita de dez páginas que demorou a dar resultado que motivou o designer Demian Takahashi a desvendar os, digamos, mistérios do pão. Depois que pegou o jeito da coisa, conquistou a mordida dos amigos e estruturou a Farinoca. As criações podem ser entregues em casa — como em outras padocas, a taxa pode alcançar quase o valor de um pão — ou retiradas no local. Para evitarem a restrição de horários, Takahashi e sua esposa, Claudia Fugita, responsável pelas vendas, tiveram uma ideia e tanto. Em frente à charmosa garagem transformada em cozinha, a dupla colocou armários com cadeados — a senha que corresponde à encomenda é enviada pelo WhatsApp — onde são deixados os pedidos com bons pães, como o de nozes com figo (25 reais) e o multigrãos de fôrma (32 reais). Essa criatividade e cuidado também são percebidos na identidade visual e no preparo de cada receita. Toda semana, o padeiro visita Alethea Suedt para processar, no moinho d’A Padeira, o trigo que vai nos pães de farinha integral.

FORNADAS CASEIRAS
Depois dos 50 anos e de uma vida dedicada ao mercado publicitário, Claudia Rezende investiu tempo e dinheiro no seu “plano B”: o Zestzing. Fez o curso de cozinheiro-chef no Senac, de mestre-padeiro na Levain Escola de Panificação, comandada por Rogério Shimura, e de viennoiserie na reconhecida Lenôtre, na França. Também estudou fermentação natural nos Estados Unidos, no San Francisco Baking Institute. Como se não bastasse, visita o Chile de tempos em tempos para workshops do experiente Didier Rosada. Ela põe esse conhecimento em prática na copa do apartamento, onde a mesa e as cadeiras deram lugar ao forno de lastro, à masseira e à fermentadora. “Embora minha produção ainda seja dentro de casa, os equipamentos são profissionais.” Os clientes recebem semanalmente as fornadas da semana via WhatsApp. Vez ou outra aparece na lista o pão de avelãs tostadas e carameladas (16 reais), com a aparência de uma ciabatta. Felizmente, o ótimo croissant (8 reais) entra na lista com mais frequência. Para garantir a estrutura do folhado e o gosto de manteiga, são necessários três dias de paciência e de mão na massa. Os pedidos podem ser retirados na Rua Bela Cintra ou entregues em domicílio por um valor extra.

NEM TÃO ESCONDIDA ASSIM
O espaço da Zan Pan foi escolhido estrategicamente por Gabriella Zanforlin. Fica dentro de um conjunto comercial no Itaim Bibi onde a circulação de pessoas não é tão grande. A ideia era aproveitar o lugar quase secreto para produzir mais para restaurantes do que para o consumidor final. De fato, estabelecimentos como o BotaniKafé, dedicado aos brunchs, e o vegano PlantMade são clientes. Mas não só eles. Quem é da região descobriu o azedinho sourdough (20 reais), feito com farinha integral processada num pequeno moinho na própria casa, o pão com chocolate em pó e em gotas (35 reais) e outras pedidas. Hoje, esse público representa 70% das vendas. “É provável que em breve tenhamos de nos mudar para um local maior”, admite a proprietária. Filha e neta de cozinheiras, Gabriella cresceu perto do fogão. “Sou a caçula, e por isso sempre me davam as coisas mais chatas para fazer. Conforme fui ficando mais velha, me ensinaram a pegar na faca, preparar tortas, massas…”, conta. Antes de focar basicamente dois ingredientes — farinha e água —, ela trabalhou com cozinha quente em restaurantes como o Brace Bar & Griglia, no Eataly. E trocou definitivamente o fogão pelo forno.

CASO ANTIGO
Papoula Ribeiro e o pão têm mais do que um relacionamento sério. Trata-se de um casamento de mais de vinte anos. O auge (até o momento) foi o trabalho na Padoca do Maní, que rendeu à casa da chef Helena Rizzo o prêmio de melhor padaria da cidade em 2015. Depois que Papoula saiu do estabelecimento e rodou o país de consultoria em consultoria, sua paixão ganhou novo ponto fixo. É a Cór Bakehouse, aberta no fim de julho num espaço anexo ao restaurante Cór, no Alto de Pinheiros. Lá, a padeira e sócia decide o cardápio, comanda a equipe e cria as receitas de pão de abóbora tostada com avelãs, parmesão, chorizo espanhol (R$ 23,00 cada um)… O romance começou tímido, em 1996, quando ela administrava projetos da empresa do chef e apresentador Olivier Anquier, que fornecia pães a uma parte das lojas Pão de Açúcar. O contato físico com a massa rolou mais tarde, numa viagem de Papoula à França para estudar fermentação natural. Ela voltou para São Paulo com o glúten na cabeça e se tornou gerente nacional de padaria do Grupo Pão de Açúcar. “O volume de produção era gigante, e eu queria fazer algo menor. No período, montar uma micro-padaria era impagável. O Brasil não tinha produtos nem equipamentos”, diz. Dez anos depois, importou da Inglaterra a ideia de vender pães por assinatura na chamada Papoula Bakehouse, que funcionou, de 2013 a 2015, a portas fechadas na Zona Sul. “Há pouco tempo, falar de pão era sinônimo do francês. Hoje, o cliente não só entende o que é a fermentação natural como também tem interesse de aprender. Quero abrir minha cozinha quinzenalmente para que as pessoas venham fazer pão comigo”, planeja.

Fonte: Veja São Paulo

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